14 de junho de 2014

Rui Strelow

Rui Strelow

Entrevista gravada nos estúdios da Famecos/PUCRS em 28 de agosto de 2001





P – Dono de uma das vozes mais magnéticas do rádio, o locutor Rui Gilberto Strelow, nasceu em São Lourenço do Sul (entre Camaquã, Cristal e Pelotas, como não se cansa de explicar), no dia 27 de dezembro de 1945. Rui, como foi sua entrada para o rádio?
Rui Strelow - Iniciei no rádio em 1961, quando fui fazer um teste a convite de um amigo de infância. A primeira coisa que fiz no rádio foi chamar ZZP2. Os jovens nem imaginam o que seja chamar ZZP2.É que existia uma estação em SP que fazia o rastreamento das emissoras, de seis em seis meses, ou uma vez por ano. As emissoras recebiam uma correspondência com hora marcada para fazer essa chamada da ZZP2. Normalmente era depois da meia noite. Então a gente ficava chamando: Alô, alô, ZZP2, ZZP2 rádio São Lourenço do Sul…, e eles tinham que fazer a medição para ver se a rádio estava funcionando e como estava funcionando.
Não fui feliz nesse primeiro teste. O diretor e outro radialista se embriagaram e me deixaram chamando sozinho. No outro dia fui lá e eles me disseram que eu não tinha passado no teste. Uns seis meses depois mudou o diretor da rádio e esse mesmo amigo meu me chamou para um outro teste. Daí sim, todo dia eu fazia 10 min ou 15 min de locução e devagarinho comecei a entrar na rádio.
P- Quais eram as suas funções na rádio de São Lorenço do Sul?
Rui Strelow - A rádio era pequena e a gente fazia de tudo. Eu tinha uma certa vantagem, porque a zona é de colonização alemã e tenho facilidade de pronunciar os nomes corretos das pessoas. E naquela época os textos comerciais eram assinados pelos próprios donos dos comércios. No início fui operador e locutor, depois comecei a fazer textos. A base da minha vida no rádio sempre foi locução comercial.
P – Como foi sua entrada para a rádio Guaíba?
Rui Strelow - Em 1968, o Correio do Povo anunciou num domingo, em página inteira, a abertura de um concurso público para a contratação de três locutores. Um primo meu que trabalhava comigo em São Lourenço estava em Porto Alegre e fez a nossa inscrição no concurso. Eu só tinha o primeiro grau, mas não precisava ter qualificação. Durante aquele ano vim umas quatro vezes na Guaíba para fazer leitura de textos. No teste, eu chegava na rádio, lia alguns textos e eles não diziam nada. Depois eu recebia cartas dizendo para comparecer de novo na rádio. Fui passando por etapas e no fim do ano eles me disseram que eu era um dos escolhidos.
Na época comentavam que tinham mil candidatos, entre eles estava o Lauro Haggeman. Quando o doutor Breno Caldas, na época o proprietário da empresa, soube que o Lauro tinha feito a inscrição, não deixou que ele passasse pelo concurso, porque era um profissional com mais de 25 anos no Repórter Esso da Farroupilha, o famoso noticiário da época. O Lauro havia sido cassado como deputado, perdeu o emprego na rádio da UFRGS e também na Farroupilha e na própria Esso, com a qual ele tinha contrato. Fui descobrir em maio do ano seguinte que o terceiro escolhido era o Carlos Alberto Bencke, de Santo ngelo, que hoje é desembargador.
P – Você já trabalhava em rádio, então o seu primeiro dia na Guaíba foi calmo?
Rui Strelow - O meu primeiro dia foi um horror. O chefe dos locutores disse que eu passaria uns 3 ou 4 dias acompanhando o trabalho dos locutores para me ambientar. Mas o Marcos Aurélio Vensendock fez o noticiário das oito e no final disse: senta aí e vamos lá, tu é locutor ou não é.
Na verdade o concurso foi projetado pelo pessoal da direção. O chefe dos locutores não sabia de nada, por isso eles estavam um pouco indignados. Mas então saiu eu e o Juremir Martins, que está em São Paulo. Ele com anos de casa e bom locutor como sempre foi e eu saí errando 99% do texto.
Poucos meses depois que eu comecei na rádio, esteve lá visitando o Streck, o Emílio Bréyer, locutor da rádio Voz da América. Ele havia feito um concurso nos EUA para o Banco Mundial. Então ele me ouviu e me convidou para trabalhar na Voz da América, em Washington. Recusei porque fazia 6 meses que tinha vindo para a rádio e naquela época a Guaíba era o ápice. O sonho de todo o radialista era ser locutor da rádio Guaíba.
P – A voz da América ainda atua?
Rui Strelow – Em junho foi desativado o serviço brasileiro, mas ela continua com mais de 30 línguas. Até há pouco tempo era uma das mais preparadas do mundo. Não sei porque eles resolveram desativar o serviço brasileiro. Agora para conseguir alguma coisa é só através da Internet.

P – Quando a Guaíba começou a operar e o que fez dela essa referência para o povo gaúcho?
Rui Strelow - Em abril de 1957 foi a inauguração. Quando surgiu, ela revolucionou pelo estilo de música que tocava. Eram músicas de qualidade, de orquestras da Europa, que não tocavam aqui na época. O Osmar Meletti e depois o Fernando Veronesi eram os programadores que também criaram esse sistema de locução dupla. E eles procuravam um locutor que fechasse com um estilo de voz e locução padrão, mais pausada, até porque naquela época não existia interesse nenhum em fazer locução mais rápido, havia tempo.

P – Como era a Rádio quando você começou nela?
Rui Strelow – A rádio era praticamente música e comerciais com um noticiário padrão. Tinha o Correspondente Renner às 9h, às 13h50min e às 21h. O noticiário do BRDE, de duas em duas horas. As 7h da manhã havia o rádio jornal e ao meio dia um noticiário de 10 min. A programação era musical. No inicio eles tentaram o teatro infantil e houve o teatrinho Cacique. Houve também alguns programas de auditório no teatro Cacique, com o esquema pergunta e resposta. Mas depois ela se estabilizou no sistema música e notícia. Era inclusive chamada de vitrolão, quando as outras rádios começaram a apresentar reportagens.
A Guaíba não tinha essa preocupação com a reportagem, porque como ela sempre foi ligada ao Correio do Povo, os repórteres do Correio ganhavam um cachê a mais para fazer as matérias dos noticiários da rádio. Isso até 1978 quando aconteceu o incêndio da Renner. Daí a Guaíba mudou totalmente. A Gaúcha tinha uma equipe de reportagem e estava todo mundo lá e a Guaíba não tinha gente preparada para fazer aquilo ali.
A partir daí é que mudou a programação. O Antônio Britto assumiu por algum tempo a chefia do jornalismo e a coordenação. A preocupação maior, que era no início a música e o futebol, com o Pedrinho Pereira e o Mendes Ribeiro, começou a mudar um pouco, a se enquadrar dentro de um sistema mais moderno de jornalismo. As faculdades começaram a formar os jovens e o pessoal começou a abrir mais vagas. Hoje a programação praticamente não toca música. A rádio só toca música de madrugada. É uma programação praticamente de voz e jornalismo das 5h até 1h.

P – Você acha que com essa mudança da rádio, mudou o papel que a Guaíba tinha na vida das pessoas?
Rui Strelow – Até hoje eu sinto que a Rádio Guaíba não tem a possibilidade de competir com a Gaúcha, que tem mais agilidade. Mas ela tem uma vantagem que é o respeito de um público ouvinte. Talvez essa seja a última geração. É impressionante o respeito com que as pessoas falam sobre a Rádio Guaíba. A gente está no interior e fala com alguém e eles dizem a nossa Rádio Guaíba, como se fosse da família, com o carinho que eles têm com a rádio. O normal é ter uma certa antipatia com algumas emissoras, mas com a Guaíba é exatamente o contrário. Ela já não tem mais a qualidade que tinha, não tem mais a preocupação com a locução comercial, o que eu acho uma coisa importantíssima no rádio. Nós éramos 16 locutores, hoje são 5. Dezesseis locutores comerciais, sem falar no Lauro Haggemann ,que era locutor de notícias, o Milton Jung, Euclides Prado, que depois foi para a locução comercial também. Já não se escolhe mais um locutor porque esse é bom para a noite, esse para a tarde.
P – Antes o processo envolvia isso?
Rui Strelow – Envolvia. Se falava uma voz que é boa para a tarde ou que é boa de se ouvir pela manhã. Hoje a gente não consegue até porque o próprio estilo da rádio não é um que agrada. O pessoal hoje faz mais rádio de comunicação. O próprio locutor é o operador em muitas rádios.
Na Guaíba antigamente nosso período de trabalho era de três horas, porque era locução ao vivo e o pessoal dizia que três horas, três horas e meia, era o máximo que o locutor devia fazer senão começa a cansar, a perder a qualidade da locução dele. A Rádio deixou de se preocupar com isso.
Agora se tem uma preocupação maior com o jornalismo. O pessoal que sai da faculdade vai trabalhar com jornalismo. O locutor acaba ficando em segundo plano, o que eu acho um erro, porque entendo que a locução comercial é a identidade da rádio. Por que a Rádio Guaíba tem até hoje um nome e as pessoas falam nela com esse carinho? Porque havia um quadro de locutores que todo mundo conhecia, assim como hoje existem jornalistas, o pessoal do esporte. Na época o locutor comercial da Guaíba era conhecido por todo mundo e havia essa preocupação.
O que eu falo sempre da locução comercial é do grande erro que aconteceu há um tempo atrás, o de mecanizar, de colocar em um computador a voz do locutor comercial. Eu não digo um jingle, um spot, essas coisas assim. Se um cliente, um publicitário, põe um texto dez vezes por dia na emissora com locução comercial ao vivo, ele vai ter dez textos diferentes, porque em cada horário vai ter uma pessoa diferente; vai ter alguém que está mais alegre, o outro mais sonolento, o outro gaguejou, então são dez textos que são apresentados de maneira diferente.
Quando eu falo isso me lembro de um pianista. Por melhor que seja o pianista, o mais famoso do mundo, todo mundo pode comprar o CD do pianista virtuoso, mas se ele se apresentar aqui na cidade, as pessoas vão assistir, porque é nessa hora que tu vais sentir o artista. A emoção que ele vai passar para ti no piano não se sente no CD ou no disco. O disco pode ser trabalhado, pode ter uma série de vantagens e ali não. Quando ele se apresenta no palco para ti, ele está se entregando, está se dando para ti.
Então essa coisa que me encanta na locução comercial é de ouvir o locutor de madrugada. Eu trabalhei madrugadas e madrugadas da 1h às 6h, sozinho, lendo um texto e imaginando quantas pessoas poderiam estar me ouvindo naquela hora. Às vezes eu ficava com vergonha de um erro. Eu tenho muita preocupação em pronunciar o nome corretamente, principalmente em convite de enterro. A pior coisa do mundo é dar um nome errado em um convite de enterro; depois de morto não vai respeitar o coitado (risos).
Então eu sempre tive essa preocupação com nomes. Sempre tive essa coisa da locução ao vivo e acho uma ingratidão a terceirização, que acaba com a alma do rádio. Porque duas coisas vão matar o rádio, acabar com as coisas ao vivo e entregar programas para pessoas que não tenham nada a ver, principalmente esses programas semanais, que não têm compromisso com as pessoas, mas com alguma coisa que se vendeu.
Eu dediquei toda a minha vida ao rádio, não como artista ou radialista. Sempre digo que não sou radialista. Eu sou um trabalhador de emissora de rádio; sou um trabalhador em comunicação. Nunca participei desses grupos de radialistas porque eu não sou. Sempre gostei de chegar meia hora antes de começar o meu trabalho e dar uma revisada para ver como vou ler o texto. Sempre gostei de narrativa.

P – Você falou dessa questão dos erros. Tem alguma história engraçada de erro?
Rui Strelow – Lá na rádio tem uma tal de fita das mancadas. Tudo que é erro vai para essa fita. Quem cuida é o Remião da discoteca. Tem histórias de erros impressionantes. Agora é fácil buscar no computador os erros, deletar, excluir, ajeitar, mas naquela época não dava. Há trinta anos, errou, ia para a fita. A primeira fita desapareceu, emprestaram para alguém, mas ainda existem uma ou duas fitas lá. É impressionante. Nas festas da rádio no fim de ano a fita ainda é apresentada. No meio da festa vão para as fitas das mancadas. Às vezes o pessoal erra porque está dentro do estúdio e dizendo uma bobagem, aí é gravado e vai para a fita. Tem histórias.
Essa semana o Acosta, do Correio do Povo, me perguntou se eu sabia quem deu o convite de enterro, aquele, o féretro sairá do cemitério São Miguel e Almas, às 16h e já era quatro e meia da tarde. Já tinha passado o horário do enterro. Daí o locutor falou: “Se o amigo ouvinte apressar o passo ou pegar uma condução, há possibilidade de pegar o enterro”. ( Há informações que teria sido Ênio Lantieri).
O Milton tem uma boa de quando mudou do cruzeiro para o real. Todas as noticias falavam de URV, cruzeiros, reais. E o Milton passou dez minutos falando de centavos, cruzeiros e Ufir. No fim ele disse: “ouça novamente o correspondente Renner, as oito horas e cinqüenta centavos”. Essa todo mundo ouviu, porque estavam todos ligados querendo saber as mudanças que estavam acontecendo. Aí foi uma loucura.
As pessoas contam que, de repente num domingo, o chefe do departamento de Jornalismo era o Amir Domingues, alguém ligou com voz de padre e falou “lamentamos informar a morte do padre reverendíssimo bispo metropolitano” ou qualquer coisa assim. Se identificou como um padre, deu o telefone. Quem estava de plantão ligou para o Amir e avisou: olha ligaram e disseram que morreu o Dom Vicente Scherer. Mas tem que conferir, disse o Amir. E ele respondeu: não já liguei para lá. Claro, quem deu o telefone atendeu e disse Cúria Metropolitana, e confirmou que morreu. Daí colocaram no Correspondente Renner das 13h, e começou aquela boataria. O Amir pediu demissão da chefia do Radiojornalismo, por causa do que tinha acontecido. E contam que o Dom Vicente Scherer soube disso. E soube até mais, porque já aumentaram. Disseram que o Amir estaria sendo demitido. E o Bispo ligou para a rádio, isso foi em 1965, eu acho. Contam que alguém atendeu e xingou o Dom Vicente porque não acreditou que era ele. Mas o Dom Vicente esteve na Rádio, falou com o Dr. Breno, que lamentava o que tinha ocorrido, mas que não fosse procedida nenhuma demissão porque tudo aquilo seria superado. O bom do rádio é isso. Todo o dia tem uma história.

P – Conte uma história tua.
Strelow – Tem uma minha. Eu estava na igreja de Santo Antônio, nas eleições de 1972, onde estava uma das centrais apuradoras. Mas eu não costumava fazer reportagem. Tenho uma dificuldade muito grande de improvisar. Este é um problema do locutor. Ele acabava ficando muito preso ao texto e a maioria acaba tornando-se um pouco perfeccionista. Pega o texto, divide da maneira que gosta de ler. Mas então o Lasier Martins, que estava comandando no estúdio, disse assim: “e agora de Santo Antônio da Patrulha Rui Strelow…” E então eu disse, “não Lasier eu estou aqui na igreja Santo Antônio”. A maioria das coisas a gente não sabe, porque o pessoal acaba guardando.
O locutor Verardi, que trabalha até hoje, um dia acho que ele estava imaginando um convite para enterro e disse: “Falecimento”, mas não tinha nenhum falecimento. Do Verardi e do Negreiros, tem várias, porque os dois não podiam trabalhar juntos, que era riso na certa. Os dois não podiam se olhar na locução. Os dois eram jovens. O Verardi tinha acabado de comprar um apartamento. O Fontela, que era chefe dos locutores, avisou que o próximo que risse no microfone estava na rua. Era a ordem que ele tinha recebido do Flávio, diretor naquela época. Naquela noite os dois estavam apresentando o jornal das dez da noite e não sei porque bobagem foi uma risada só. Chegou de manhã cedo e o Verardi foi para a rádio. O Flávio estava no programa das sete e meia. Então ele contou que tinha rido no microfone e o Fontela iria colocá-lo na rua. O Fontela falou aquelas coisas de sempre. Vocês não querem trabalhar, só querem rir, por que não riem antes de vir para cá. E perguntou por que ele tinha rido. Então ele contou a história, que eu não sei, e o Flávio também achou graça, porque era engraçada mesmo, e mandou ele voltar para a locução.
Eu sempre lutei e perdi. Ainda tenho dois anos para conseguir segurar. Mas eu sinto muito. Porque acho que a locução ao vivo é fundamental. Ter alguém no microfone durante a locução que identifique a rádio. Qualquer dia desses vai acabar o noticiário gravado também e ai se foi a poesia do rádio.
O pessoal está terceirizando muito. Os empresários de rádio tem muitos lugares para economizar, mas sempre acabam querendo economizar no locutor. E a rádio acaba perdendo em identidade e na alma do rádio, que a Guaíba ainda conserva um pouco, o estilo de locução.
P – O que é a poesia do rádio?
Rui Strelow – A poesia é uma imagem que eu estou fazendo singela. É saber que as pessoas vão ouvir aquele programa, que não é uma maravilha, mas porque tem uma empatia pelo locutor, um respeito. Existe poesia. Tem gente que vai lá e trabalha como se fosse um Mário Quintana. Aquilo que ele está fazendo lá é uma poesia. Mesmo lendo uma coisa comercial, se ele for uma pessoa que se entrega, ele estará trabalhando como um poeta.P – Quais as mudanças da Guaíba de hoje para aquela de quando você entrou?
Rui Strelow – O principal é na qualidade. No esporte, por exemplo, quem ouviu Pedro Pereira, Rui Carlos Ostermamm, a equipe de reportagem com o Jaime Eduardo, o Lupe Martins, o Lasier Martins; o Streck é um dos melhores amigos que eu tive e um bom caráter que conheço no rádio, que se chama Lupe Martins. Todos eles eram estudantes muito preparados e a época era outra, não havia essa correria, essa preocupação de furar outras rádios. O que é uma bobagem porque quem está escutando uma emissora, não está preocupado com a outra. Ou então ele é um babaca de ficar ouvindo as duas. Existe a fidelidade do ouvinte.
Tem coisas que não foram possíveis de segurar. Nós éramos 16 locutores, hoje somos cinco.
P – Quais são os locutores além de ti?
Rui Strelow – Pela ordem tem o Vladimir Oliveira, que faz a abertura das cinco da manhã, depois tem o Paulo Amauri da Cunha, o Gilberto Verardi, o Mário Mazeron. Quando eram 16 locutores havia sempre locução dupla, onde um puxa o outro, no ritmo, e até por uma questão de vaidade, de capricho, tem que acompanhar o outro. O locutor sozinho, se o texto não é bom, se o programa não é bom, ele não consegue render tanto.
P – A Rádio Guaíba está perdendo o que a caracterizou, na locução e na fidelidade dos ouvintes?
Rui Strelow - A fidelidade dos ouvintes continua, pelo menos nas gerações antigas. Meu filho de 23 anos, não ouve a Guaíba, ouve a Ipanema, Atlântida. Esse pessoal mais antigo sempre foi muito fiel à Guaíba. Havia uma identidade, e principalmente no interior. Como a rádio sempre foi muito preocupada com a agricultura e pecuária, por causa do Correio do Povo em que havia o Correio Rural. Até hoje a rádio tem essa coisa. Mas nesse atropelo, que as coisas vão, os melhores acabam indo embora, ou, se permanecem, perdem o entusiasmo e ficam como participantes da coisa e não como atuantes, aquela pessoa que vai lá para fazer o melhor. Quando a coisa não está boa o grupo puxa para baixo, porque não serve para aquele grupo alguém se sobressair.

P – Rui, tu trabalhava no Palácio na época que teve o conflito entre o Governo e a Caldas Júnior. Conta um pouco como foi.
Rui Strelow – Na época do governador Amaral de Sousa aconteceu o episódio que acabou lamentavelmente com o fechamento do Correio do Povo. Eu não fui participante ativo. Contavam que havia uma tentativa de superar a famosa dívida do Correio do Povo e que o Governador Amaral, na inauguração do pólo petroquímico, faria um acerto porque havia interesse da presidência da República, do General Figueiredo de conseguir superar o problema. Então estava todo mundo esperando a volta do Governador para saber o que tinha acontecido. O Governador voltou, foi direto para o palácio e não sei se porque já era uma sexta-feira à tardinha e ele deixou para tratar disso na segunda-feira. E o Dr Breno teria ficado muito chateado e até imaginado que não tinha sido tratado o assunto. Então ele escreveu o famoso artigo no Correio do Povo, Um palmo e meio, que era uma crítica muito forte e pessoal ao Governador. Ficou uma situação desagradável e não saiu o acerto. O desenlace acabou acontecendo no governo Jair Soares, em 1984, quando o Correio do Povo acabou fechando. Retornou em 1986. Acho que é um dos poucos casos no mundo, em que um jornal depois de ir à falência voltou com o mesmo nome.
A rádio continuou nesse tempo precariamente. Na época a situação já estava insustentável e o pessoal pensava em preparar uma espécie de condomínio, em que os funcionários seriam sócios, para poder continuar a rádio. Mas então a rádio foi vendida e se recuperou. No jornal, no início o pessoal não aceitou muito a mudança do formato para tablóide, estavam acostumados com o standard. Mas hoje a maioria dos jornais está indo para esse caminho, até pelo preço do papel.

P – Em que época tu trabalhaste no palácio?
Rui Strelow - De 1974 até 1996, na assessoria de imprensa. Eu entrei no Governo como CC, e em seguida fiz um concurso público. Na realidade eu era agente administrativo, mas como fui locado na Casa Civil do Palácio, trabalhava em rádio, e havia um programa lá que se chamava o Grande Rio Grande e acabei indo para o porão, para a sala onde o Brizola fez o manifesto da Legalidade. Trabalhei toda minha vida ali.
P – Você teve algum outro trabalho além da Guaíba e do Palácio?
Rui Strelow - Eu me formei em Direito, na PUCRS, mas, como trabalhava pela manhã e pela tarde e à noite estudava, não tinha condições de ir ao Fórum conhecer juizes, até para viver a vida do judiciário. Então resolvi não trabalhar nisso. Quando eu estava no quarto ano, percebi que aquela não era a minha vocação, cheguei a ficar umas duas semanas sem ir à aula. Mas minha esposa falou para eu não pôr quatro anos fora e começou a vir comigo todas as noites para a PUC, então eu terminei o curso de Direito. Mas nunca trabalhei na minha profissão, porque o que eu gosto de fazer mesmo é de rádio. Gosto de fazer narrativas. Esses programas culturais que o Luiz Gualde escrevia e que não tem mais na Guaíba, como a História de Platão e a República. Tinham programas fantásticos. Às 13h tinha o 2001, isso na década de 70. Na época ele já falava nessas coisas que acontecem hoje de computadores e videogames. Foi com ele que eu aprendi uma coisa. Ele sempre dizia: quando tu fores escrever, fazer um programa, a primeira coisa que tu tens que pensar é quem vai ouvir e quem vai ler. Essa é a minha preocupação. Não adianta falar academicamente porque, sem demérito, o rádio tem um público diferente.
Tenho o maior respeito pelo Zambiazi, por exemplo, que é uma pessoa que se dedica e sempre se dedicou, e quanto tempo foi criticado. Mas quero saber quem é que faz melhor, nas condições dele e para quem ele trabalha. Ele é a pessoa certa para aquilo. E preciso se adequar. Não adianta eu querer fazer um programa para jovens.
Sempre fiz programas de notícias, mas não gosto de dar a minha opinião. E também sempre fui muito criticado por isso. No fim do ano era a matéria final. Todo o pessoal que ia lá na rádio vinha me perguntar: o teu programa Jornal da Tarde é diferente do da Gaúcha, porque tu não opinas. Mas eu não posso interferir, querendo fazer a cabeça de alguém. Se é uma informação, se alguém pegou os dois lados, quem sou eu para julgar? Isso acaba desagradando a maioria. Tu não presta nenhum serviço ao criticar ou elogiar alguém, sempre tu acabas radicalizado e fazendo injustiças. Nos jornais que eu faço, o da manhã e o da tarde, entrego a notícia e quem está ouvindo, pode e deve tomar partido, mas ele que tenha a opinião dele. Ele que decida se é bom ou ruim.

P – Na Guaíba ainda tem os programas com sonoplastia?
Rui Strelow – Hoje é muito pouca coisa, não tem espaço. Eu tenho feito alguma coisa no programa que eu tenho domingo de manhã. A gente sente assim, até porque o programa é ouvido por uma faixa de idade acima dos 30 anos, não foi feita nenhuma pesquisa, mas eu presumo, pelas pessoas que entram em contato comigo. Eu tenho feito o seguinte: leio alguma coisa que eu encontro na Internet ou que as pessoas me mandam. Às vezes, algumas pessoas enviam coisas que gostariam de ouvir no rádio, textos que mexem mais com emoção. Eu sou um pouco ligado à religião, minha igreja é a luterana. Então , a gente vendo a carência das pessoas, vê que a questão maior é essa do afeto. Domingo de manhã cedo, as 7 da manhã, o que a pessoa quer ouvir? Quer uma palavra de carinho, um afago, faz bem para as pessoas, eu sinto. Na segunda-feira, quando eu chego na rádio, tem pedidos até de outros estados dos textos. Tem um do Shakespeare, que, a cada vez que eu leio, é uma loucura. São 40 ou 50 e-mails e fax pedindo o texto. O que eu vejo nítido é que as pessoas estão precisando disso, então por que às sete da manhã eu vou fazer discurso?

P – E a própria abertura que você coloca no Jornal da Manhã, sempre tem uma mensagem…
Rui Strelow - Sabe que antes eu fazia. Agora eu encontrei um site, com umas 50 mensagens, então acho que até o ano que vem eu tenho. Mas antes eu procurava alguma coisa, ouvia e fazia da minha maneira. Às vezes tem frases que eu não sei o autor, se sei eu digo, não sonego o nome de ninguém. Mas como eu fazia às vezes de livro espírita, eu não tenho problema nenhum com religião, sou ecumênico e respeito todos elas, eu pegava muita coisa desses livros e as pessoas acabavam me levando lá alguma coisa que viam ou ouviam. Então eu mudava a frase, para não dizerem o teu programa é espírita, é de umbanda. Eu acho que qualquer religião faz bem para todo o mundo porque não prega o mal, mas a melhora do ser humano.

P – Rui teve um colega teu que trabalhava na técnica, vocês se entrosavam muito bem. Conta para nós algumas histórias de vocês
Rui Strelow - O Miguel Josep, foi uma das primeiras pessoas com quem eu mantive contato logo que cheguei em Porto Alegre. A gente ficou muito amigo e eu acabei sendo padrinho de casamento dele e tínhamos uma convivência muito fraterna e amiga, trabalhávamos todo o dia juntos. Então o pessoal reclamava que eu só queria gravar com o Miguel e ele só queria gravar comigo. Mas é que nós nos identificávamos muito bem. Muitas vezes acontecia de no meio de um texto eu pensar que serial legal entrar uma determinada música, então eu olhava para ele que saía, e eu tinha certeza que ia na discoteca e que voltaria com a música. Eu tinha certeza que ele ia voltar com um material que fechasse ali. Isso é muito importante para quem trabalha no rádio. A primeira sugestão que eu dou, não é conselho, é sugestão. Te dá bem com o operador porque é ele quem vai te dar o plus. Ele não vai te prejudicar, mas se ele for teu amigo, se tu começares a ter uma convivência com ele. Não é como um câmera ligar a máquina e ficar de braço cruzado. Se ele te entende profissionalmente como apresentador de programa, ele vai achar a melhor maneira para ti. Eu não brigo com operador. Em rádio não existe eu, até porque se o locutor ou o apresentador não estiver no estúdio o programa não vai sair. Das pessoas que trabalham comigo eu sempre respeitei muito o operador. Trabalhei quase dois anos todas as madrugadas com um amigo inesquecível, o Geraldini Diardi, a pessoa mais espirituosa que eu conheci. Ele já era mais velho que eu. Isso é importante porque ele está do outro lado do estúdio, te passa um sorriso, te faz um sinal, às vezes um detalhezinho e tu deixa de estragar um programa inteiro. Ele te ajudou. Para todas as pessoas que chegam lá na rádio eu digo: não briga com o operador. O operador é o segredo do radialista que está dentro do estúdio.

P – Muito obrigada Rui pela tua presença e por compartilhar conosco um pouca das histórias do rádio e da tua história
Rui Strelow - Eu queria agradecer a vocês. E eu acho importante o que a Famecos está fazendo de tentar resgatar um pouco das histórias do rádio. Não que eu tenha sido importante no contexto de uma época. Mas quem sabe um dia alguém, um dia estudando, vá ouvir, porque não é só o que eu falei. Com certeza outras pessoas falaram ou vão falar. O importante é que isso vai fechando uma época. Juntando essas pessoas vamos ver no que vai dar. Eu agradeço à Famecos, ao professor João Brito que foi meu colega e à professora Magda Cunha e a vocês pela oportunidade. Eu fico muito honrado com o convite.

Fonte: http://eusoufamecos.uni5.net/vozesdoradio/entrevsita-completa/
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